Nova escola de avant-garde de Amesterdão pela primeira vez em Portugal

Download as pdf

Lisboa, 24 de Julho de 2025 – Um trio do coletivo musical Jam With Humans irá trazer a sua música experimental a terras Portuguesas. A sua viagem irá iniciar-se este Sábado em Lisboa, com um workshop e concerto, seguindo-se depois uma residência artística nas Oficinas do Convento, em Montemor-o-Novo.

Investigação prática, criativa e inclusiva

As suas actividades em Amesterdão começaram com uma ideia simples: como ensinar música com centro na criação individual e comunicação entre músicos, aceitando qualquer background e linguagem musical. Esse desafio materializou-se em 2016 nos workshops de criatividade e musica improvisada, que até agora se realizam semanalmente em Amesterdão. Com uma atitude prática e investigativa, testaram exercícios e princípios inspirados em várias linhas pedagógicas e artísticas, que se estendem de Carl Orff ao movimento Fluxus, passando por Sun Ra e pelo clique novaiorquino encabeçado por John Zorn.

Esta investigação deu origem a um currículo único que propõe uma abordagem contemporânea, ensinado num curso de improvisação com a duração de um ano lectivo, naquela que se chama agora a Jam With Humans Academy – a parte pedagógica do colectivo. São os princípios desse currículo que serão partilhados no workshop na galeria lisboeta Zaratan, na primeira experiência do grupo em partilhar os seus conhecimentos a uma audiência fora dos Países Baixos.

Criação impossível de nova música

Os alunos graduados do curso de improvisação da Academy, bem como músicos profissionais, compõem a Jam With Humans Orchestra, a metade performativa desta instituição. “Orchestra” é uma palavra usada como termo-de-arte, reflectindo o método comunitário de criação deste grupo. Dentro do grupo, projectos musicais são frequentemente criados, fundidos e extintos, mediante as vontades e interesses dos seus elementos, e também da reacção das suas audiências regulares, muitas vezes apresentados ainda quando só existem como uma ideia, sem nome nem elementos fixos.

Por exemplo, uma vontade de tocar música electro-acústica foi tomando forma até se tornar no projecto Música, Parte Dois, que agora trazem à galeria de arte da Rua de São Bento, depois do seu workshop – e incluíndo os participantes que estiverem dispostos a ir a Palco. Diz Daniel, de quem partiu a ideia original deste espectáculo:

Era para ser uma banda, mas acabámos por descobrir que estávamos a fazer mais uma apresentação teatral, com cenas, actos, guião… Falei disto ao Nic, com quem tinha feito o projecto La Bisse, e fizemos os dois um brainstorm por mensagens de audio de WhatsApp. Temos sempre a preocupação de não alienar a audiência, e como nos estava a parecer que o espectáculo estava muito fora, decidimos tocar mesmo as mensagens de audio enquanto tocamos. Assim a audiência tem uma ideia do que é que tínhamos pensado em fazer, principalmente se não correr bem.

O trabalho resultante tem ligações tangentes ao teatro físico de clown, sobre uma camada de música Dada, sem sentido, em que os músicos – do elenco fixo e convidados – oferecem ideias sobre a construção impossível de uma música que nunca ninguém ouviu, tentando evitar paragens para reflexão e dar antes lugar à composição automática.

Um local, um de volta e uma visita

Se Jam With Humans é visto também como um abrigo acolhedor de pessoas e ideias migrantes, esta viagem a Portugal é um passo seguinte óbvio. Esta mistura de raizes reflecte-se na composição do elenco da viagem a Portugal. Ao volante do carro, está o André, que ficou cá. Como pendura viaja o Daniel, que é de cá mas foi para. No banco de trás senta-se o Nic, que não é de cá nem é de lá.

André Calvário, marketing maestro do colectivo onde não há directores, nasceu e cresceu em Montemor-o-Novo, e fez campanhas de música experimental por toda a Península Ibérica antes ainda de ter feito a sua primeira campanha publicitária. Não é nada desconhecido do palco da Zaratan, onde se apresentou com múltiplos projectos, como Cardíaco e Slug, sob a chancela da editora A Besta.

Mas foi no colectivo musical, anarquista e do it yourself PEBL (Projectos De Electrónica E Barulho Livre) que começou a criar música com Daniel Matias Ferrer. Este que em palco toma o nome de Daniel (by night), teve uma carreira musical concentrada mais a Norte, tendo sido mais conhecido como o companheiro à bateria do saxofonista portuense Paulo Alexandre Jorge. Foram três anos de criação prolífica, até Daniel se ter relocado para os Países Baixos em 2012, onde registou poucos anos depois a marca Jam With Humans.

A pandemia permitiu não só um tempo de reflexão sobre os primeiros anos de workshops, mas também o crescimento de uma audiência interessada em sair do seu quarto para poder tocar em grupo. Assim, já em 2022, dá-se então um crescimento explosivo de todas as actividades de Jam With Humans, acompanhando de um crescimento da sua audiência. Foi nesse ano que Nicolas Raspail apareceu num workshop orientado pelo Daniel, com vários instrumentos, incluíndo um violino que tinha acabado de comprar e não sabia ainda tocar. Essa escolha levou a uma conversa, que levou à descoberta de vários interesses comuns. Nicolas, designer e artista plástico natural de Lyon, que era músico (com outros interesses multidisciplinares) como hobby, apaixonou-se pela pedagogia, desempenhando agora a função de head teacher da Academy.

É esta a composição que seguirá para o Alentejo, onde assentarão arraiais numa sala do Convento De São Francisco, emprestada pelas Oficinas que o ocupam. A intenção é de estudarem como a composição de música com forte componente de improvisação será afectada pelo contexto. O Daniel, que veio de comboio, trouxe dentro da mala um estúdio completo de som, e um gerador de campismo que os permitirá serem itinerantes durante a sua estadia. Contam em serem encontrados fora de portas, provavelmente a captarem os sons da planície, com conhecidos recentes ou antigos que convidaram a ocupar os dois lugares extra do carro do André.